Olhares de Maré
por Carolina Borges
Escrevo esse texto à mão enquanto aprecio o começo do que parece que será mais um excepcional pôr-do-Sol na praia de Tubarão de Paripe, a uns 10 minutos de caminhada da minha casa. Há alguns dias venho protelando para escrevê-lo, desde que me deram essa difícil tarefa, devo dizer, de falar sobre meu território. Escrevi muitas vezes sentada à frente do meu notebook e pensando sobre essa palavra, mas em todas elas apaguei tudo pois não achei fiel ao que realmente quero falar sobre meu território.




Vista da praia de Tubarão, em Paripe, de uma parte do Subúrbio Ferroviário, zona periférica de Salvador-BA.
Carolina Borges, 2021

Então decidi vir pra esse lugar em que me conecto com aquilo que também é essencialmente meu território, o que é essencialmente eu: a natureza. Então peguei meu caderno azul, uma caneta, minha máscara, e vim.

O que é território pra mim? O que meu território significa pra quem eu sou? Pra quem eu quero e poderei ser?

Devo primeiramente dizer que meu território é mais do que geografia, minha visão de território abrange sim terra, o lugar onde eu nasci e cresci, mas também envolve a casa que meu avô construiu com suas próprias mãos, as histórias que eu vivi com a minha família aqui, os almoços de domingo, os slams que puder ver, as iniciativas de juventudes potentes das quais pude participar, as pessoas incríveis que constituem essa comunidade e também a minha ancestralidade.








Mas meu território também envolve as mazelas que se enfrenta ao nascer e crescer numa periferia: as muitas horas passadas num transporte público sucateado e empilhado para chegar a qualquer lugar no centro da cidade, o medo constante da violência entre gangues, e também da violência policial, violências essas que já me fizeram presenciar as mais tristes cenas de mães pretas chorando pela perda de seus filhos, o abandono do Estado em pontos cruciais, o medo toda vez que tem chuvas fortes na cidade, o descaso com o saneamento básico e com a saúde e bem-viver da população.





Pôr-do-Sol na Praia de Tubarão
Carolina Borges


Todas essas coisas constituem o que eu entendo como território, de forma complexa e visceral, meu território me permeia, me atravessa de forma contundente algumas vezes. Por muitas vezes eu me perdi, nos meus caminhos, no meu ativismo… porque não via sentido. Estava seguindo caminhos que desviam do meu território, estava falando sobre meio ambiente e sustentabilidade para pessoas no centro da cidade enquanto o que eu realmente queria era co-construir uma educação climática com os jovens da minha periferia.

Entender o que é território pra mim foi essencial pra me entender como ativista e encontrar meu caminho. Hoje entendo que meu território impulsiona minha luta, me faz querer cada vez mais ocupar espaços que por muito tempo me foram negados, me faz querer reverberar e chamar pra luta, cada vez mais vozes. Meu território muitas vezes me deixa vulnerável, me deixa muito, mas muito irada com as injustiças, violências, desigualdade, descaso e racismo que o transpassa, mas ele também me acolhe. Meu território me lembra todos os dias que a luta é árdua, contínua, muitas vezes exaustiva e injusta, mas que ela é principalmente coletiva, e se não for assim, não faz sentido pra mim.

O sol finalmente se pôs totalmente, do meu lado algumas crianças seguem batendo um baba (jogando bola no dialeto baiano) e é isso. Meu território é força, meu território é potência, é luta, mas também é vulnerabilidade, meu território é beleza, mesmo que esse adjetivo lhe seja constantemente negado pelo sistema. E termino este texto citando a grande Conceição Evaristo, que hoje celebra seus 75 anos: “ eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”.
Sigamos!